terça-feira, 31 de agosto de 2010

David Cury


  • Brasileiro, nascido no estado do Piauí. Hoje vive no Rio de Janeiro.
  • Mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em História da Arte pela PUC-RJ e professor da Escola de Artes do Parque Laje na capital carioca.
  • Já apresentou trabalhos nos principais museus de arte moderna do Brasil e integrou coletivas em outros países como Líbano, EUA, França e Áustria.
"Há vagas de coveiro para trabalhadores sem-terra" (2009)


  • Desenvolve trabalhos de pintura, instalações e intervenções. Destacando-se em grandes formatos e em trabalhos minuciosos.
  • Nos últimos sete anos têm se focado especialmente em instalações que exploram questões importantes da arte articulando-as com outras ligadas diretamente com a vida nos dias de hoje. Sugestivos títulos de obras como “Todos os homens dormiram com suas mães. Algumas mulheres, com seus pais”, “Para a inclusão social do crime” e “As mulheres existem para que os homens se meçam” são bons exemplos que ilustram as intenções de reflexão do artista.
"Eis o tapete vermelho que estendeu o Eldorado aos Carajás" (2009)

  • Na 29ª Bienal irá expor a instalação “Antônio Conselheiro não seguiu o conselho” [2005-2009], que tem como eixo temático a Guerra de Canudos. A obra resulta em abstrações à beira do limite, do imprevisível.
  • Uma trincheira formada de contêineres, lâminas de vidro, hastes de ferro, aço, alumínio, borracha e lâmpadas frias expõe uma potencialidade bélica e sem garantias - não há fixação dos elementos, que são apoiados uns sobre os outros.
  • Esta instalação já foi exposta na mostra individual que o artista realizou no MAM do Rio de Janeiro em Outubro do ano passado, juntamente com uma intervenção de tamanho monumental, a “Eis o tapete vermelho que estendeu o Eldorado aos Carajás”, constituída de 4 milhões de etiquetas circulares vermelhas coladas sobre uma grande parede do museu. Este último trabalho denuncia a execução de dezenove trabalhadores sem-terra em 1996 pela Polícia Militar do Pará em Eldorado dos Carajás.
  
"Antônio Conselheiro não seguiu o conselho" (2005/ 2010)
vídeos interessantes:

Crítica Autoral (por Thisby Khury)

O trabalho de David Cury (em especial a instalação que ele montará na 29ª Bienal) é rica em possibilidades de significados e símbolos, que certamente enriquecerá discussões e visitas.
Retoma um histórico momento do nosso país com a visão do século 21, através de uma denúncia que expande sua proposta na difícil realidade em que vivemos. Apresentado de modo poético, impressionante e com um belo aspecto plástico, o assunto é exposto sem obviedades e com enormes lacunas abertas para encaixar os mais diversos assuntos – e terreiros - que podem vir à tona nesta exposição que estimula o questionamento e reflexão sobre o hoje e sobre o que nos rodeia.

NS Harsha

Nascido em 1969 em Mysore.

NS Harsha é um artista cujo trabalho revela um comentário político, num quadro de pintura em miniatura indiana, a tradição narrativa moderna indiana e arte popular. Os números em seu mundo, delicado, astuto e brincalhão são quase sempre focada em um evento, animado por uma curiosidade mútua, apontando algo que é estranho, incongruente ou comicamente estranho. Obra de Harsha inclui pintura, instalações de grande porte e projetos comunitários.

NS Harsha vida e trabalha em Mysore, Karnataka.




                                             Harsha sentado em frente sua obra "Come give us a speech"

Vem dar-nos um discurso

Na pintura recente NS Harsha "vem dar-nos um discurso" (2007/08), centenas de figuras estão sentados em cadeiras plásticas coloridas do tipo utilizado em Portugal em funções, como casamentos e encontros religiosos ou políticos, e como o título sugere, eles estão todos esperando por uma oração para começar. Em um exame quadrinhos na premissa de que o espectador completa a obra, alto-falante em questão é o telespectador individual, que vai ficar na frente do trabalho, e cujos pensamentos forneceram o conteúdo do discurso. A massa de figuras neste quadro representam um grupo heterogéneo, poderia ser dito para substituir todos os que o artista tem sempre encontrado, quer na vida real ou por meio de televisão ou jornal, ou nos trabalhos de outros artistas. Toda a vida humana está aqui, sentado lado a lado, um dos tipos das Nações Unidas, por vezes, em conjunções estranhas e, às vezes dispostas de acordo com o gênero. Pessoas de todas as raças e culturas diferentes estão presentes, bem como misturas estranhas, a incompatibilidade de funções, o cabelo e a cor da pele e categorias étnicas. Há pessoas de todas as idades, o corpo capaz, e as pessoas com deficiência. Em uma cadeira há uma mulher que está dando à luz de um filho, em outro um cadáver é colocado para fora, enquanto ao seu redor linhas inteiras de pessoas que respondem a este milagre ou a uma tragédia que ocorreu em seu meio. Há pessoas de todas as esferas da vida - empresários, fazendeiros, políticos, os astronautas, os tipos de teatro, freiras e um preso em cadeias. Num canto, há uma colônia de artistas, incluindo figuras conhecidas do mundo da arte indiana, bem como outros de fora da Índia, como Marina Abramovic e Marcel Duchamp. Há citações e empréstimos de outros artistas - uma figura cubista parece estar bêbado, enquanto o Papa Maurizio Cattelan inclina lateralmente em um ângulo.

Como grande parte do trabalho Harsha esta pintura tem charme, e há muitas diversões para identificar os diferentes elementos e após jogar o próprio artista de fantasia e invenção, e ainda a reflexão quanto mais você olhar (de perto ou removido) o mais desorientado fica tanto em termos conceituais, assim como condições ópticas. Como é que todas essas pessoas podem co hábitar na massa e em tão perto? O que se torna vital dos tópicos que as coisas se unem para nós e nos dê o nosso lugar no mundo? O que torna-se de coisas como a identidade nacional, orientação política, crença religiosa ou filiação cultural, o gosto, classe e assim por diante - em face de tais multidões?


Grant Watson






Bibliografia:

http://www.artinfo.com.br/

Texto enviado pelo site de NS Harsha de Grant Watson

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pedro Costa


* (Lisboa, 1959)


Um filme hipnótico com poética enraizada na dura realidade social. Juventude em Marcha é um seguimento do filme Ossos ambientado entre os moradores carentes do bairro de Fontainhas. Em Juventude em Marcha segue Ventura, um velho ex-operário que está se movendo para um novo bairro. Em um drama composto por cenas aparentemente desconectadas, Ventura atende moradores diversos de Lisboa, preto e branco, a quem ele chama de seus filhos - entre eles, Vanda, uma mãe e um viciado em heroína antigo (e protagonista do filme anterior de Costa, No quarto de Vanda).  

Juventude em Marcha é uma escavação impressionante, muitas vezes transfixantes do território emocionalmente escuro. É uma visão singular

No quarto de Vanda, Pedro Costa, Portugal, 2000, 35mm, 78 min., cor
No quarto da Vanda (2000)

O filme é um recorte da biografia de Vanda, uma usuária de drogas do bairro de Fontainhas em Lisboa. Costa rodou o filme com uma câmera digital muito pequena, permitindo ocupar um espaço do íntimo, face a face, deixando por vezes em dúvida se Vanda estava mesmo ciente da presença da câmera. Inicialmente, a intenção era de permanecer com as filmagens nos limites do quarto de Vanda, mas Costa decidiu expandir seu trabalho em busca do "outro modo de vida" com os habitantes de Fontainhas. Desse modo, ele tenta criar um aparente equilíbrio do que está na frente e por trás da câmera.


Juventude em marcha, Pedro Costa, Portugal, 2006, 35mm, 155 min., cor 

Juventude em Marcha (2006)

Maria Thereza Alves

M.T. Alves nasceu no Brasil em 1961 (o pai dela veio da cidade de Butiá, no estado do Paraná, no Sul do país), mas viveu na América do Norte desde a infância, recebendo sua educação e, eventualmente, os estudos na Cooper Union School of Arts, em Nova York. Na década de 1970, conheceu Jimmie Durham (um ameríndio Cherokee), com quem se casou e vive até hoje. Depois dos conflitos de Wounded Knee, em que policiais cercaram a reserva de Pine Ridge, na Dakota do Sul, Durham virou representante dos índios na ONU. Foi quando Alves ofereceu sua ajuda. "Pensei que ela fosse uma espiã, então disse que não queríamos nada", lembra Durham. "Mas acabei indo atrás dela na rua e estamos juntos desde então.” Na época, Alves fazia lobby nos Estados Unidos contra o tratamento que o governo brasileiro dava aos índios. De volta ao país, ela trocou o PT (Partido dos Trabalhadores) para ser uma das fundadoras do Partido Verde (PV) e esteve nos debates em torno da Constituição de 1988.

Maria Thereza Alves deixou as Américas pela Europa há mais de 15 anos, porque, diz Alves: “Eu senti que em todo o continente americano não havia como participar, devido às estruturas coloniais e as sociedades hipercoloniais. Não há espaço possível nem para um debate sobre colonialismo, principalmente no Brasil, onde nasci. E na maioria dos países latino-americanos, com poucas exceções, se você não é um membro da elite governante, é provável que esteja onde estiver, você não tem chance de participar da política cultural.” Nômade e cidadã do mundo, Alves transpõe suas raízes na busca por uma nova identidade, o que se reflete em seus trabalhos recentes pela disponibilidade de atenção especial extrema ao contexto em que atuam como artistas.

Se tentarmos explicar o método de trabalho de Alves, é uma mistura de situações em que uma realidade é substituída por outra: outros costumes, outros usos, outros eventos que foram cobertos. Então, ela volta, mais adiante, para entender o que foi levado junto, aproxima-se mais dos fenômenos do comportamento de deslocamento, mas também de viagens geológicas e botânicas, por exemplo. Fala-se muito dos caminhos percorridos ou não compartilhados pelos outros, como as tantas experiências que constituem uma identidade. Assim, sua prática artística prende diversas formas que, a cada vez, documentam o real utilizando mais as ferramentas da arqueologia do que da antropologia.

Um dos primeiros trabalhos da artista foi uma série fotográfica em P&B, a convite de seu tio. Passando-se por uma fotógrafa do New York Times, ela registrou trabalhadores e moradores de uma área rural neglicenciada no sul do Brasil, como prova de suas existências, caso fossem escravizados – uma prática ainda comum nessas regiões do país. A série ficou conhecida como Brazilian Recipes (Receitas Brasileiras).



Brazilian Recipes. Série de fotos preto e branco

Em seguida, suas fotografias ganharam as cores do tradicional histórico cultural da América Latina, no fim da década de 1980.


John Spencer, 1988. Fotografia colorida montada em alumínio


Mercedes Gomez, 1988. Fotografia colorida montada em alumínio.

Suas primeiras instalações de destaque acontecem na Galeria Mercer Union, no Canadá, em 1994.
Nowhere é a terceira de uma série de instalações de Maria Thereza Alves, e todas tiveram nomes sucintos que eram eles mesmos sobre nomenclatura. No Soy Su Madre (Eu não sou sua mãe) foi a primeira e fez alusão ao tipo de epítetos que o homem tem tradicionalmente usado em referência à natureza, como a "mãe natureza", "mata virgem" e assim por diante, em que ele projetou sua atitude em relação ao sexo feminino. A segunda, Pós-Eldorado da Amazônia, sugeriu que, embora possa ser fácil para nós ver uma fantasia espanhola do século XV de um remoto e detectável "lugar de ouro", como uma obsessão estreita e lamentável, o espírito que deu origem para ele ainda está conosco, ainda dirigindo nossas ações e pensamentos.

'Nowhere' é uma tradução da palavra grega Utopia, que Thomas More usou para o título de seu famoso livro de 1516. Assim, ele usou uma palavra que denotava uma terra ou lugar, mas que realmente significa nenhum lugar; ou, ainda, ele usou uma palavra que aparentemente significa nenhum lugar, mas na verdade, postulou a possibilidade de um lugar real. Esta não é uma distinção arcana como parece, porque, se aparentemente nada torna-se eventualmente algum lugar, nunca se vê o lugar ou as pessoas como elas são, mas como a tabula rasa para a projeção da fantasia utópica. É a esse descompasso entre o lugar real e a construção mental, e suas terríveis conseqüências, que as instalações de Alves se dirigem.

(...)

Em resposta a uma pergunta sobre como encarava a relação entre o seu trabalho político e artístico, Maria Thereza Alves respondeu que a política emprega estratégias para realizar tarefas específicas, mas a arte é sobre o "questionamento". Isso me parece a única maneira de desvendar uma noção como utopia, por seu significado ser tão ligado à nossas diferentes histórias e à complexidade dos confrontos e intercâmbios culturais mútuos que compõem nossa identidade hoje.

Este esclarecimento teria que separar aqueles aspectos que são universais, daqueles que são locais. Mesmo os aspectos universais da utopia estão divididos entre os pólos da estupidez humana e desejo humano. As loucuras surgem simplesmente do fato de que estamos todos ligados a cultura. O escritor indiano Sudhir Kakar apontou, por exemplo, como o estranho fascínio ocidental atual com o xamanismo deve aparecer a "alguém pertencente a uma cultura onde o xamã faz parte da vida cotidiana, e xamanismo é tão exótico como odontologia". (Quem, aqui, seria transformado pela noção de artista-dentista?) E Kakar chega a sugerir que a forma como o fascínio atual substituiu o seu oposto, a difamação anterior etnográfica do Shaman, é um sintoma da "busca ocidental por utopias". De outra perspectiva, o escritor chinês Lu Xun criticou a ingenuidade de seus conterrâneos educados que foram enviados pelo Imperador à Europa no final do século 19 para aprender com as maneiras ocidentais: "Leia as anotações deles, de hoje! O que impressionou a maioria deles foi uma figura de cera em algum museu, que jogava xadrez com um homem vivo.”

O anseio do ser humano é, obviamente, muito mais antigo do que o gênero de utopias pós-renascentistas. O desejo de abundância e fartura nas tradições artísticas e místicas dos povos agrícolas, o desejo de igualdade, e de vencer as diferenças e distâncias, nas tradições de reversões de carnaval, o desejo que é, na verdade, expresso no nome "Brasil" que, segundo uma teoria, deriva da palavra celta para "o lugar de admiração' - supostamente para ser localizado em algumas ilhas ao sul da Irlanda, onde se você fosse afortunado, os deuses deixariam vê-las: tudo isso deveria ser separado do conceito de utopia. Maria Thereza Alves considera a noção ocidental de utopia como decorrente da idéia renascentista de individualismo e, essencialmente, como interpretar o desejo de "ser livre" em termos de um plano. Utopia propõe um futuro planejado e controle explícito sobre o potencial humano, geralmente a idéia de uma pessoa do que esse potencial pode ser. Ela escreve: "Utopias, talvez, não podem servir como modelos, uma vez que são muito elaboradas especificamente. Elas não são abertas o suficiente para permitir as potencialidades possíveis que os seres humanos necessitam de um modelo."

Neste diálogo necessário, e complexo questionamento da nossa história, se um brasileiro tem para combater esses aspectos do pensamento utópico ocidental que eram inseparáveis da invasão, colonização e escravidão; uma pessoa inglesa, por exemplo, tem que ver que a nossa atitude imperial não era inata, mas também uma construção, e que mesmo alguns dos nossos símbolos proeminentes da identidade cultural nacional contra ele, na raiz, em termos que ainda carregam uma força hoje. Em 1759, Samuel Johnson publicou um discurso imaginário de um líder indígena americano sobre a vinda dos europeus:

Esses invasores se estenderam pelo continente, abatendo com sua ira os que resistiram, e aqueles que se submeteram a suas brincadeiras. Dos que ficaram, alguns foram enterrados em cavernas, e condenados a cavar metais para seus mestres; alguns foram utilizados em cultivo da terra, do qual tiranos estrangeiros devoram o produto; e quando a espada e as minas destruíram os nativos, fornecem seus lugares a seres humanos de outra cor, trazidos de algum país distante para morrer aqui no trabalho e na tortura.”

BRETT, Guy & MACIEL, Kátia (org.). Brasil Experimental – Arte/vida: proposições e paradoxos. Editora Contra Capa, Rio de Janeiro, 2005.

 
Vista da instalação "Nowhere", 1994. Foto: Peter MacCallum.


Detalhe da instalação "Nowhere". Cortesia da Galeria Michel Rein

Em 2000, contemplada com uma bolsa do DAAD (Deutscher Akademischer Austauschdients / Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico), Alves realizou Wake (2001). Amostras de solo foram extraídas de sítios de construções na cidade de Berlim e foram ‘plantados’. A pesquisa é conduzida pela história do sítio local. Esta é a pesquisa em Charlottenstraße 33, um dos 22 sítios de amostras.

Em Wake, amostras profundas da terra são coletadas de vários sítios de construções em Berlim. As amostras são plantadas e as sementes dormentes tem uma chance de germinar. “Ainda que as sementes pareçam mortas, na verdade estão vivas e podem permanecer assim no solo por décadas, até mesmo centenas de anos em dormência”, escreve a botânica Heli Jutila. As amostras foram plantadas e expostas em um espaço de galeria, à espera das sementes que ali germinassem (abaixo).


 

Um projeto semelhante se desdobrou em 2005, chamado de Seeds of Change (Sementes da Mudança). ‘Seeds of change’ é uma investigação fundamentada em uma pesquisa original para revelar os sítios e a flora de lastros históricos em portos europeus.
Por centenas de anos, pedras, terra, areia, madeira e tijolos foram utilizados como lastro para estabilizar veleiros mercantes de acordo com o peso da carga. Após a chegada no porto, o lastro e as sementes, que acidentalmente vieram no passeio, foram descarregados. As sementes podem ser de qualquer um dos portos e regiões ao redor do Mediterrâneo (e de seus parceiros comerciais regionais) envolvidos no comércio europeu. As sementes contidas na terra do lastro podem germinar e crescer, contribuindo para o desenvolvimento da paisagem européia e aterrando testemunhas para uma narrativa mais complexa da história do mundo do que a apresentada pelas contas ortodoxas, o que Alves chama de “história sem fronteiras”. Apesar de terem o potencial de alterar nossas noções de identidade do lugar como pertencentes a uma bio-região definida, a importância histórica dessas sementes é raramente reconhecida.
Cidades portuárias em ‘Seeds of change’: Marselha, Reposaari, Exeter, Liverpool, Dunkirk, Bristol e Rotterdam.
A exposição apresenta fotografias, desenhos, mapas, entrevistas, vídeos. O evento é parte de uma plataforma internacional do Safári por Cidades Portuárias, iniciada com a colaboração de Arnolfini (Bristol) com uma exposição, uma rede internacional, uma passeio geográfico, uma série de publicações e painéis envolvendo artistas, arquitetos, teóricos.
O projeto destaca diversos planos e trajetórias dedicados ao comércio, à mobilidade e à produtividade. Uma publicação de 250 páginas documenta o trabalho dos artistas, ensaios de teóricos, imagens e mapas, concluindo em Rotterdam a longa e articulada jornada do Safári por Cidades Portuárias. O projeto é atribuído aos subsídios à cultura em 2007 pela União Européia e é um dos eventos paralelos a Bienal Internacional de Arquitetura de Rotterdam.

Uma descrição mais detalhada do assunto, retirada da Frieze Magazine:

“Os cargueiros modernos de hoje utilizam água como lastro para estabilizar navios descarregados, mas em outros tempos de comércio marítimo, os navios utilizavam terra, pedras ou areia como lastro, se suas cargas de especiarias coloniais fossem muito leves – material que poderia ser facilmente descartado para liberar espaço no navio e colocar rentáveis escravos. Conseqüentemente, há milhares de anos, toneladas desse material de enchimento, suas sementes e o material orgânico do Novo Mundo foram despejados em terra no momento da chegada às cidades portuárias mais importantes da Europa. Para seu projeto “Seeds of Change” em Marselha, Liverpool, Exeter, Bristol, Dunkirk e outros sítios – sempre onde ainda não houveram estudos sobre a flora de lastro – Alves procurou a localização de sítios de lastro através de mapas antigos, registros de portos e palpites, pegando amostras de terra na tentativa de germinar qualquer semente arcaica que estivesse dormente no substrato. As apresentações resultantes reuniram os elementos textuais e fotográficos – bem como as próprias plantas – e, muitas vezes, envolveu a colaboração de moradores locais.”


Seeds of Change: Marseille, cortesia da Galeria Michel Rein


Seeds of Change: Dunkerque, 2005. Fotografia digital 70x10 cm


Seeds of Change: Dunkerque, 2005. Fotografia digital 70x100 cm

No mesmo ano, o vídeo What is the Color of a German Rose? relembra uma lista de frutos, flores e legumes que têm suas origens fora da Europa e de como esse intercâmbio induz a perda da identidade de determinadas espécies e o impacto desse fluxo constante no equilíbrio ecológico do planeta. A larga disposição desses produtos conclui a apresentação de um grande cesto do aumento de consumo, as principais características dessa raça da abundância, que sabe sua contraparte nos países que sofrem com a escassez de alimentos.


What is the Color of a German Rose?, 2005. Vídeo, 6'14

Para a Manifesta 7, que aconteceu em 2008 em Trento (Itália), a artista se juntou com seu marido e mais um colega para um projeto. Como regra, museus procuram exibir o extraordinário, mas o Museum of European Normality quer mostrar a vida cotidiana nas superfícies (densas) do personagem europeu. O projeto – um esforço colaborativo entre Maria Thereza Alves, Jimmie Durham e Michael Taussig – concentra-se no “período pós-colonial” desde a Segunda Guerra Mundial.

Taussig apresenta os mistérios da mimese e da alteridade, e com Friedrich Nietzche, a relação entre profundidade e superfície. Porém, esse museu não procura pela essência ou a profundidade de estar na Europa – procura os hábitos e os tiques. Alves pesquisa o hábito europeu de se olhar dentro dos olhos durante uma conversa e a necessidade de reafirmação dos homens europeus em rituais públicos, tocando o que algumas culturas consideram íntimo e pessoal, no vídeo Male Display among European Population. Ela também permite que o público participe ativamente de um programa de intercâmbio para redefinir políticas culturais nacionais. Durham reúne suas provas do comércio, crenças populares e o constante reforço da publicidade. Maria Thereza Alves é uma artista brasileira, cujo trabalho se concentra em torno das epistemologias sociais.


Male Display among European Population, 2008. Vídeo, 2'

E se invertêssemos o pensamento clássico ocidental de visitarmos nativos amistosos de qualquer lugar? Em seu docudrama Iracema (de Questembert), 2009, especialmente feito para a Bienal de Lyon, Maria Thereza Alves reconta a ambígua história de Iracema, uma jovem mulher do isolado vilarejo brasileiro de Corubime. Iracema faz uma longa viagem de São Paulo à França, onde descobre que acabou de herdar a propriedade de seu pai. Agora, ela é dona de uma vasta propriedade, cujas autoridades locais gostaria de compra-la antes de ver nas mãos de uma “selvagem”. Destemida, Iracema luta para manter a propriedade, onde funda o Questembert Institute for Art and Science. Ela discursa no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, disposta a conhecer artistas e pensadores. Com esse vídeo, Alves iniciou sua pesquisa com os nativos Krenak.




Iracema (de Questembert), 2009. Vídeo, 26'03

Sobre a Importância das Palavras, Uma Montanha Sagrada (roubada) e a Ética das Nações” (2009-2010), Maria Thereza Alves dedica sua produção artística a formas alternativas de conhecimento que, combinando arte e ciência, são capazes de promover engajamentos e mudanças reais em contextos sociais minoritários. Na 29a Bienal de São Paulo, a artista apresenta uma etapa importante de sua luta em favor da manutenção da língua e da cultura dos Krenak, povo indígena brasileiro hoje reduzido a uma comunidade de 600 pessoas, divididas entre Minas Gerais, Mato Grosso e São Paulo. Maria Thereza acaba de concluir a tradução para o português de um dicionário Krenak-Alemão feito no século XIX, pelo expedicionário Bruno Rudolph, e hoje mantido como meio mais rico de acesso ao vocabulário e às tradições desta comunidade indígena ora populosa e disseminada no território brasileiro.

O dicionário Krenak-português assume camadas geracionais de tradução entre colonizados e colonizadores e reestabelece um elo mais próximo entre a herança histórica deste povo indígena e seus poucos representantes na contemporaneidade. Com tiragem de 1.000 exemplares, o dicionário ficará disponível para consulta na Bienal, num ambiente de pesquisa e rememoração, que também conta com dois videos, uma foto da montanha sagrada dos Sete Salões (MG) e uma petição pública. Depois da mostra os exemplares do dicionário serão distribuídos para uso dos Krenak.

Clique aqui para ver uma descrição sobre o lançamento desse dicionário em Portugal (Facebook).


Montanha Sagrada Sete Salões. Fotografia


Vista da exposição "Sobre a Importância das Palavras, uma Montanha Sagrada (roubada) e a Ética das Nações", 2009-10. Prateleira para 1.000 exemplares do dicionário e, ao fundo, reprodução do vídeo "Iracema (de Questembert)", 2009.


Trabalhos: http://www.michelrein.com/Artist.php?Artist=Maria%20Thereza%20Alves
Indios krenak (referência de um trabalho): http://pt.wikipedia.org/wiki/Crenaques
Pdf de imagens de videos e trabalhos: http://www.michelrein.com/imagesFM/Down48.pdf

domingo, 29 de agosto de 2010

Carlos Vergara

Carlos Vergara
Trajetória anos 60,70,80,90 e 00



CARLOS Augusto Caminha VERGARA dos Santos nasce em Santa Maria (RS), em 29 de novembro de 1941. Aos 2 anos de idade, muda-se para São Paulo, por força da transferência de seu pai, reverendo da Igreja Anglicana Episcopal do Brasil. Naquela cidade, estuda no Colégio Mackenzie e, em 1954, muda-se com a família para o Rio de Janeiro.

Completa o ginásio no Colégio Brasileiro de Almeida e lá é estimulado à experimentação de várias atividades criativas, além de receber orientação profissional. Estuda química e, em 1959, ingressa por concurso na Petrobras, onde permanece até 1966 como analista de laboratório. Ainda no colégio, inicia o artesanato de jóias em cobre e prata, cujo resultado expõe em 1963, na VII Bienal Internacional de São Paulo. Nessa época, além do trabalho na Petrobras, sua atividade principal é o voleibol, tendo disputado pelo Clube Fluminense vários torneios.

A aceitação de suas jóias na Bienal leva-o a considerar a arte como atividade mais permanente. Nesse mesmo ano, torna-se aluno do pintor Iberê Camargo, também gaúcho, no Instituto de Belas Artes (RJ). Passa, em seguida, a ser assistente do artista, trabalhando em seu ateliê.

Em maio de 1965, participa do XIV Salão Nacional de Arte Moderna (RJ). Conhece o artista Antonio Dias, integrante do mesmo Salão, que o apresenta ao marchand Jean Boghici. Este o convida a participar da mostra Opinião 65, que organiza com Ceres Franco no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Inaugurada em 12 de agosto, a exposição se torna importante marco na história da arte brasileira, ao evidenciar a postura crítica de jovens artistas diante da realidade social e política do momento. Em dezembro do mesmo ano, integra a mostra Propostas 65, na Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo, com as obras Eleição, Discussão sobre Racismo e O General. Participa ainda do Salon de la Jeune Peinture, no Musée d’Arte Moderne de la Ville de Paris, com Antonio Dias e Rubens Gerchman.

Em março de 1966, com o apoio técnico dos arquitetos André Lopes e Eduardo Oria, vence o concurso para execução de um mural no auditório da Escola Nacional de Saúde Pública, em Manguinhos (RJ), com projeto de painel realizado com tubos de PVC, medindo 4m de altura por 18m de comprimento. O júri é composto por Flávio de Aquino, Lygia Clark e Lygia Pape. Este projeto inicia sua aproximação à arquitetura, atividade paralela ao processo artístico, presente até hoje em sua vida.

Em abril, recebe o Prêmio Piccola Galeria, do Instituto Italiano de Cultura, destinado aos jovens destaques brasileiros nas artes plásticas. Participa do evento de inauguração da Galeria G4, na rua Dias da Rocha 52 (RJ), espaço projetado pelo arquiteto Sérgio Bernardes e dirigido pelo fotógrafo norte-americano David Zingg. Nesse dia, Vergara, Antonio Dias, Pedro Escosteguy, Rubens Gerchman e Roberto Magalhães realizam um happening com ampla repercussão na cidade. Sobre seu trabalho na exposição, Vergara comenta:

“Nesse happening eu chegava de carro e descia com uma pasta de executivo. Eu havia preparado uma parede no fundo da galeria e, por trás dela, tinha deixado uma frase pronta e um recorte fotográfico de dois olhos muito severos olhando para a frente. Eu abria a pasta e tirava uma máquina de furar. Desenhava um ponto a 80cm do chão e escrevia ‘Olhe aqui’. As pessoas se abaixavam e olhavam pelo buraco. Lá dentro estava escrito: ‘O que é que você está fazendo nessa posição ridícula, olhando por um buraquinho, incapaz de olhar à sua volta, alheio a tudo o que está acontecendo?’”

Ainda em 1966, integra a coletiva Pare: Vanguarda Brasileira, organizada por Frederico Morais, na Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais. No cartaz da exposição, Frederico escreve: “Para Vergara, o quadro deixou de ser um deleite, prazer ocioso ou egoístico, para transformar-se numa denúncia. Não foge nem esconde esta contingência – faz uma pintura em situação.”

No mesmo impresso, Vergara declara, ainda:

“Todos são obrigados a tomar uma posição. Será possível ficar calado diante de uma realidade onde uns poucos oprimem a muitos? Será possível voltar os olhos enquanto os valores se invertem e ficar procurando formas de divagação? Essa é uma posição que não me agrada (...) A condição de premência em que se vive me obriga a ser mais conseqüente, mais objetivo e às vezes mais temporal dentro de minha arte. Só repudiar uma estética convencional é repudiar ser inconseqüente. Repudiar, porém, essa estética convencional é para sacudir os espectadores e pedir deles também uma atitude nova; é colocar o problema em questão. (...) Arte é comunicação. Esse jogo não tem regras.”

Em agosto, faz parte da mostra Opinião 66, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, organizada por Carmen Portinho, Ceres Franco e Jean Boghici, com a obra Meu Sonho aos 18 Anos. No mesmo mês, a revista Realidade publica artigo assinado por Vera e Mário Pedrosa sobre os jovens artistas atuantes no Rio de Janeiro Antonio Dias, Vergara, Gerchman, Magalhães e Escosteguy, com ensaio fotográfico de David Zingg. Em outubro, estréia a peça teatral Andócles e o Leão, de Bernard Shaw, montada pelo Grupo O Tablado, com direção de Roberto de Cleto, cenários de Vergara e figurinos de Thereza Simões. Esta é sua primeira participação como cenógrafo, atividade que continuará a desenvolver durante a década de 1960.

Encerra o ano com exposição individual na Fátima Arquitetura Interiores (RJ), onde apresenta desenhos realizados entre 1964 e 1966, como Le Bateau ou A Caixa dos Sozinhos, uma referência à boate Le Bateau, freqüentada pela juventude carioca na época. Por ocasião da mostra, o crítico Frederico Morais aponta:

“(...) Da solidão e do medo, dois temas do homem de hoje; do desenho requintado e luxuriante às inovadoras e fascinantes pesquisas com plástico (...) Como em certas pesquisas da pintura atual, Vergara está incorporando a própria moldura e também o suporte no desenho fazendo do plástico não uma bolsa para o papel, mas algo que gradativamente vai adquirindo sua própria expressividade. (...) Seus últimos trabalhos são na verdade objetos virtuais, quase objetos.”

Em março de 1967, recebe o Primeiro Prêmio de Pintura no I Salão de Pintura Jovem de Quitandinha, Petrópolis (RJ), com a obra Sonho aos 18 Anos e, no mês seguinte, o prêmio aquisição O.C.A. no Concurso de Caixas, evento promovido pela Petite Galerie (RJ), que seleciona exclusivamente obras concebidas em formato de caixa. A exposição, inaugurada em 2 de maio, tem o convite desenhado por Vergara.

Em abril, é um dos organizadores, juntamente com um grupo de artistas liderados por Hélio Oiticica, da mostra Nova Objetividade Brasileira, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que procura fazer um balanço da vanguarda brasileira produzida no país. Assina a “Declaração de princípios básicos da vanguarda” e, nessa mostra, participa com os trabalhos Indícios do Medo, Minha Herança São os Plásticos e Auto-retrato, todas de 1967.

Em setembro, participa da IX Bienal de São Paulo, quando obtém o Prêmio Itamaraty. Em 9 de outubro, realiza mostra individual na Petite Galerie. Nesta exposição, Vergara apresenta obras realizadas com materiais industriais. Seu convívio com a indústria e, sobretudo, sua familiaridade com o desenvolvimento de novos materiais plásticos, graças a seu trabalho na Petrobras, foram decisivos para seu processo criativo e tornaram possível seu desejo de aproximar indústria e arte. Sobre esta relação, o artista acrescenta:

“(...) para mim, só há uma razão para a arte: ela ser consumida, passar a ser um elemento importante na vida do homem. Uma escultura que fosse também uma geladeira seria uma experiência válida. (...) Estou certo de que uma das funções do artista no Brasil é despertar a indústria para a utilização da arte.”

Algumas obras da exposição foram realizadas com a colaboração de técnicos da indústria Plasticolor. Na mesma mostra, o artista também apresenta Berço Esplêndido, seu primeiro trabalho tridimensional, do qual o público é convidado a participar, sentando-se em seis pequenos bancos com a inscrição “sente-se e pense”, em torno de uma figura deitada coberta com as cores da bandeira do Brasil.

Em 1968, realiza sua primeira mostra individual em São Paulo, na Galeria Art Art, apresentando, entre outros trabalhos, o resultado de suas recentes experiências: caixas feitas com papelão de embalagem, deslocando das próprias pilhas de embalagens da fábrica para os então sacralizados espaços de museus e galerias, transformando-as em esculturas. A exposição tem texto de apresentação de Hélio Oiticica, que escreve:

“(...) Vergara constrói caixas não requintadas, puro papelão, papelá, bandeira, bandeiramonumento, Brasília verdeamarela, mas papelão, que se encaixa, na caixa, na sombra e na luz, no cheiro – é a secura das fábricas, sonho de morar, viver o fabricado preconsumitivo, antes de ser às feras atirado – Seca, viva, a estrutura é cada vez mais aberta – ao ato, ao pensar, à imaginação que morde, demole, constrói o Brasil, fora e longe do conformismo (...)”

Ainda em 1968, realiza cenários e figurinos das peças Jornada de um imbecil até o entendimento, de Plínio Marcos, montada pelo Grupo Opinião, com direção geral de João das Neves, música de Denoy de Oliveira e letras de Ferreira Gullar, e Juventude em crise, de Bruchner, juntamente com o artista Gastão Manuel Henrique, apresentada no Teatro Gláucio Gil (RJ).

Em maio de 1969, é selecionado para a X Bienal de São Paulo. No mesmo mês é escolhido, junto com Antonio Manuel, Humberto Espíndola e Evandro Teixeira, para representar o Brasil na Bienal de Jovens, em Paris. O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro organiza uma mostra dos artistas que participariam dessa bienal, mas algumas horas antes a exposição é fechada por ordem do Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores. Em novembro, realiza nova mostra individual na Petite Galerie. Interessado em investigar as relações entre arte e indústria, trabalhando na fábrica de embalagens Klabin, expõe trabalhos em papelão: figuras empilhadas, sem rosto, e objetos-módulos, criados para a Feira de Embalagem, além de desenhos e objetos moldados em poliestireno. Sobre esta mostra, o artista comenta:

“Eu me preocupo com uma linguagem brasileira para a arte moderna. Encontrei no papelão – pobre, frágil, descolorido – um material coerente com a nossa realidade (...) barato, perecível, o papelão significa para mim a possibilidade de fazer minhas obras (...).”

É um dos fundadores da seção brasileira da Associação Internacional de Artistas Plásticos (Aiap), que tem ampla atividade política, até ser aniquilada pela Censura.



Na década de 1970, ocorre uma mudança de atitude na arte e na cultura brasileiras. A Censura, a violência e o fim das garantias constitucionais, determinadas pelo Ato Institucional n. 5, de 1968, não permitem a indiferença. Muitos artistas e intelectuais, entre os quais Hélio Oiticica, Antonio Dias e Gerchman, saem do Brasil. Outros, como Vergara, mudam o foco de seu trabalho. Segundo o próprio artista: “(...) a gente começa a ter uma atitude mais reflexiva, mesmo. Eu começo a usar fotografia e fazer uma espécie de averiguação mais antropológica do real (...)”. Essa busca de linguagens reflexivas se traduz, na obra de Vergara, na extensa pesquisa sobre o carnaval e na realização de filmes super-8, sem deixar de lado os trabalhos decorrentes de sua experimentação com materiais industriais, sobretudo o papelão.

Participa, em 1970, da 2ª Bienal de Medellín, Colômbia, apresentando o trabalho América Latina, dois grandes desenhos no chão, com recortes e caixas de papelão – que foram extraviados em sua volta ao Brasil. Para Hélio Oiticica: “(...) os superdesenhos crescem das caixas-estruturas-cenários caligarianos: espalham-se pelo chão, desenham-se, recortam-se: as folhagens de papel barato: moitam-se-desgarram-se: invadem, por seu turno, o ambiente (...)”.

Nesta década, intensifica seu trabalho com arquitetos, principalmente Carlos Pini, realizando painéis para lojas, bancos e edifícios públicos. Entre os trabalhos mais importantes, destacam-se os painéis realizados para as lojas da Varig em Paris e Cidade do México (1971); Nova York e Miami (1972), Madri, Montreal, Genebra e Johanesburgo (1973), Tóquio (1974), entre outros.

Buscando criar uma atmosfera brasileira para estes trabalhos arquitetônicos, começa a utilizar materiais e técnicas do artesanato popular, como a cerâmica e os trabalhos com areias coloridas em garrafas, no interior do Ceará. Nos botequins do Nordeste, também se interessa por pequenos enfeites realizados com papel dobrado e recortado. Transpondo esse universo popular para a escala arquitetônica, alia sua experiência com papelão ondulado na fábrica Klabin, realizada desde os anos 1960, a trabalhos de recorte em grande escala.

Em 1971, recebe, com os arquitetos Guilherme Nunes e Carlos Pini, o Prêmio Affonso Eduardo Reidy, da Premiação Anual IAB/GB, pelos projetos das lojas Varig de Paris e São Paulo.

Em 1972, idealiza a mostra intitulada EX-posição, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Em lugar da individual que estava agendada, o artista organiza uma mostra coletiva, posicionando-se criticamente em relação à realidade política do país. Em suas palavras: “Era tão agoniante a situação que se vivia, que achava um absurdo fazer uma individual fingindo que não estava acontecendo nada. Era já uma postura política tentando abrir o espaço individual para uma coisa mais coletiva.” De Nova York, Hélio Oiticica envia para a mostra o projeto do Filtro, um penetrável que conduz o trajeto do público. A exposição abriga múltiplas linguagens, apresentando pinturas, desenhos, fotografias e filmes super-8 de muitos artistas, entre os quais Roberto Magalhães, Caetano Veloso, Chacal, Bina Fonyat, Glauco Rodrigues, Ivan Cardoso e Waltércio Caldas. Além de organizar a exposição, Vergara apresenta seu trabalho fotográfico sobre o carnaval e uma reportagem realizada com Fonyat no vilarejo de Povoação (ES). Também mostra seu filme Fome, em super-8, e o Texto em branco, publicado pela editora Nova Fronteira.

Em sua pesquisa sobre o Brasil, começa a registrar de forma sistemática o carnaval carioca. Interessa-se, principalmente,

“pelos rompimentos com os comportamentos cotidianos, pela sexualidade ostensiva, pelas inversões de comportamento, pelas intervenções sobre o corpo, pela tomada da rua, pela quebra da estrutura de controle do resto do ano e pelas novas hierarquias que se montam”.

Focaliza, sobretudo, a bloco de embalo Cacique de Ramos, por ser:

“um bloco formidável para uma reflexão (...) com sete mil integrantes, que resolvem se vestir iguais, numa festa onde seu predicado é o exercício e a exacerbação da individualidade. (...) A roupa do Cacique de Ramos é uma gravura feita em um metro de vinil. Você levava para casa uma gravura, recortava e botava sobre o corpo. Isso não é brincadeira. Só tem uma área de individualidade que é o rosto. Para mim era importantíssimo mostrar que, instintivamente, podem surgir na sociedade iguais diferentes, diferentes mas iguais.”

Ainda em 1972, ganha, com o arquiteto Marcos Vasconcellos, o Prêmio Henrique Mindlin da IAB/RJ, pelo projeto de uma capela, da qual Vergara idealiza os vitrais. Em 1973, realiza mostra individual inaugural da Galeria Luiz Buarque de Hollanda e Paulo Bittencourt (RJ). Participa da coletiva Expo-projeção 73, no espaço Grife (SP), onde apresenta seu filme Fome. No mesmo ano, cria um painel para a sede do Jornal do Brasil (RJ).

Em 1973, monta, com amigos arquitetos e fotógrafos, um ateliê coletivo do qual participam Marcos Flaksman, Carlos Pini, Manoel Ribeiro, Sebastião Lacerda, Bina Fonyat e Antonio Penido, que mais tarde se transformará na firma Flaksman Pini Vergara Arquitetura e Arte, com atuação centrada em projetos de arquitetura teatral e de shopping centers, como o Barra Shopping (RJ). Neste projeto, Vergara participa da concepção de todas as áreas dedicadas ao passeio, comércio e lazer do centro comercial, além da criação de uma capela ecumênica. Para o artista, “é interessante fazer uma coisa que está dissolvida no real. Não tem a pretensão do discurso individual do artista, mas é a atuação do artista que está dissolvida na vida das pessoas (...) onde você se sente bem sem saber por quê”.

Em 1975, integra o conselho editorial da revista Malasartes, publicação organizada por artistas e críticos de arte com o intuito de criar debates e reflexões sobre o meio de arte no Brasil.

Realiza, em 1976, dois novos painéis no Rio de Janeiro: um para o centro comercial na Praça Saens Peña, Zona Norte da cidade, projetado pelo arquiteto Bernardo de Figueiredo, e outro para o Rio Othon Palace Hotel, em Copacabana, na Zona Sul.

Em setembro de 1977, participa da fundação da Associação Brasileira de Artistas Plásticos Profissionais, chegando a ser presidente da entidade, criada para reivindicar a participação dos artistas nos debates e decisões das políticas culturais nas artes visuais.

Em junho de 1978, apresenta na Petite Galerie, individual a partir de seu trabalho sobre o carnaval carioca, quando mostra fotografias, pinturas em papel, desenhos e montagens com caramujos. Os moluscos têm, para o artista, interesse semelhante ao bloco Cacique de Ramos, em que todos parecem, à primeira vista, iguais, porém, sutis diferenças marcam sua individualidade. Em novembro, apresenta a mesma mostra na Galeria Arte Global (SP). O catálogo traz texto do próprio artista. Em dezembro, a Funarte edita o livro Carlos Vergara, como parte da Coleção Arte Brasileira Contemporânea, com textos de Hélio Oiticica e programação visual de Vera Bernardes, Sula Danowski e Ana Monteleone.

Em 1979, realiza, com Ruth Freinhoff, a programação visual da capa do disco Saudades do Brasil, de Elis Regina; com o cenógrafo Marcos Flaksman cria o cenário do show homônimo. No mesmo ano, assina a concepção visual da capa do disco Elis.







Em junho de 1980, participa, ao lado de Antonio Dias, Anna Bella Geiger e Paulo Roberto Leal, da 39ª Bienal de Veneza. Apresenta um desenho de 20m de comprimento e 2m de altura, que seria para o artista “uma espécie de catarse de desenho”, no qual parece encerrar seu trabalho de documentação do carnaval. O catálogo que acompanha sua participação traz texto de Hélio Oiticica.

Ainda nesse ano, integra a exposição Quasi Cinema, no Centro Internacional di Brera, Milão (Itália). No ano seguinte, mostra 17 desenhos e pinturas em papel e o painel realizado para a Bienal de Veneza na Galeria Mônica Filgueiras de Almeida (SP).

Na década de 1980, o artista retoma a pintura com telas que apresentam uma trama diagonal como estrutura. Apesar da ausência de referências exteriores à própria construção pictórica, essas telas ainda decorrem de seu trabalho fotográfico sobre o carnaval.

Segundo o artista:

“(...) as pinturas com as diagonais vêm do carnaval, não por causa da roupa do arlequim, mas por causa da grade de separação do público nos desfiles. Tenho uma série de fotografias das pessoas atrás da grade ou do carnaval atrás da grade. Aos poucos, a grade vai ficando como medição, as pessoas e as figuras vão saindo (...)”

Em maio de 1983, é inaugurada a Galeria Thomas Cohn (RJ) com individual de pinturas do artista. No catálogo, Ronaldo Brito escreve:

“A trama é estritamente pictórica. A sua construção e a sua palpitação remetem apenas a si mesmas. A premência e a urgência da pintura, da vontade de pintura, se tornam flagrantes pela falta de qualquer mediação entre o próprio ato de pintar e a coisa pintada (...) Mas, visivelmente, a trama aponta para uma divisão, um lá e cá, um antes e depois (...) de uma maneira explícita, essas telas assumem um lugar paradoxal – o seu estar entre. Entre o passado literário e a procura de uma auto-suficiência visual (...) Entre a pressão de uma estrutura, com a demanda de um raciocínio pictórico cada vez mais complexo, e a força decorrente do seu imaginário figurativo, o trabalho vive o seu dilema básico, a sua ambigüidade fundamental (...)”

Em 10 de dezembro, expõe pinturas no Gabinete de Arte Raquel Arnaud (SP). O texto de apresentação de Alberto Tassinari reafirma o caráter autônomo ali expresso:

“Nas suas telas o olhar imagina, e a imaginação olha. Cúmplices um do outro, colocam a questão: é possível olhar um quadro sem imaginá-lo? (...) O que está em jogo nessas telas é um dos fundamentos da pintura. A impossibilidade de sua transmutação absoluta de imagem em objeto (...) Sua ação pictórica não reveste a tela com fabulações do sentido. Está antes interessado na cuidadosa investigação de um problema fundamental da pintura: a transfiguração recíproca de olhar e imaginar.”

Ainda em 1983 é nomeado para o cargo de presidente do Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural (RJ), ocupando a vaga do escritor Pedro Nava, recém-falecido. De 22 de janeiro a 22 de fevereiro de 1985, organiza individual no Brazilian Centre Gallery, em Londres, onde expõe pinturas em grandes formatos. É co-diretor, com Belisário França e Piero Mancini, do vídeo Carlos Vergara: uma pintura, que integra a Série RioArte Vídeo / Arte Contemporânea.

Em 1987, realiza mostra individual no Gabinete de Arte Raquel Arnaud e executa painel para a sede do Banco de Crédito Nacional/BCN, em Barueri (SP).

Monta ateliê em Cachoeiras de Macacu, município a 120km do Rio de Janeiro, às margens do rio de mesmo nome, onde passa a maior parte do tempo. Este novo espaço, de grandes dimensões, lhe permite trabalhar em várias obras simultaneamente.

Em março de 1988, inaugura exposição individual na Galeria Thomas Cohn, Rio de Janeiro, e apresenta dez telas. Além das tradicionais, Vergara passa a utilizar tintas industriais que

“em contraste com as outras, oferecem a oportunidade de ele montar ‘pequenas armadilhas para o olhar’, avanços progressivos na direção da inteligência da visão. Organizada ainda a partir das grades que abriram a nova fase pictórica, Vergara mantém ainda um sistema de divisão da tela com cordas que ficam marcadas na pintura. Mas a grade está ampliada, quase estourando (...) E a tinta, aplicada com as mãos ou com esponjas, aparece na tela como uma explosão líquida de cor, um splash que condensa em si o ato do pintor e seu pensamento.”

Nesse ano, além de realizar novo painel para a sede do Banco Itaú (SP) e escultura para um edifício residencial – projeto do arquiteto Paulo Casé, na rua Prudente de Moraes n. 756, em Ipanema (RJ) –, cria a abertura para a novela Olho por olho, da TV Manchete, emissora carioca.

Em 1989, ocorre uma mudança importante em sua pintura. O artista passa a trabalhar com pigmentos naturais e minérios a partir dos quais realiza a base para trabalhos em superfícies diversas. Estes se tornam resultantes de um processo de impressão e impregnação de diferentes “matrizes”, como a própria boca dos fornos numa pequena fábrica de pigmentos de óxido de ferro em Rio Acima (MG), e de uma posterior intervenção do artista. Sobre a nova direção em seu trabalho Vergara declara:

“Em 1989 (...) decidi dar uma nova direção por estar seguro de que havia esgotado a série começada em 1980, quando abandono a figura e mergulho numa pintura que tinha como procedimento uma ‘mediação com cor’ do espaço da tela, dividindo com diagonais paralelas, formando uma grade (...) propus para mim, com desapego, me colocar num marco zero da pintura e olhar para fora e para dentro.”

Em outubro de 1989, participa da 20ª Bienal de São Paulo com grandes painéis impressos com cores extraídas do óxido de ferro. No centro da sala destinada ao seu trabalho, o artista coloca uma enorme caixa contendo um bloco do pigmento mineral. Inaugura, na mesma época, individual no Gabinete de Arte Raquel Arnaud, com 14 telas. O catálogo que acompanha as exposições traz o texto “Acontecimentos pictóricos”, do crítico Paulo Venancio Filho.



Em setembro de 1990, realiza mostras individuais no Paço Imperial (RJ), apresentando 20 telas de grandes dimensões, e na Galeria Ipanema (RJ). Por ocasião desta exposição, o crítico Paulo Sergio Duarte escreve o texto “Uma noite matriz do dia”, no qual se refere à dupla direção tomada pela pintura atual do artista:

“O processo de trabalho de Vergara se encontra num momento onde sua pintura se expande, ao mesmo tempo, em duas direções diametralmente opostas. De um lado, o elogio da transparência na comemoração do fato plástico, de outro, uma expressividade impregnada a partir da própria matéria que na sua opacidade sombria apresenta um drama. (...) Num extremo, o sentido gráfico construtivista será acrescido de elementos expressivos (...) No outro extremo, um cenário está dado e, digamos, energizado por uma história mítica da técnica da pintura (...) O que se anuncia, nos dois extremos, é o elogio do aparecer da pintura no próprio ato pictórico (...)”

Em abril de 1991, realiza mostra com telas sobre lona crua no Gabinete de Arte Raquel Arnaud. Em setembro, apresenta exposição individual no Grande Teatro do Palácio das Artes (BH), com 21 monotipias realizadas em Rio Acima e retrabalhadas no ateliê. Para o catálogo da exposição, promove-se uma conversa entre Ronaldo Brito, Paulo Sergio Duarte, Paulo Venancio Filho, Tunga e o próprio artista, em que se debate o atual estágio da trajetória artística de Vergara. Segundo Ronaldo Brito:

“O trabalho atual seria mais lento, mais reflexivo, mais dubitativo e que suscita, convida até a uma espécie de convívio estético mais indefinido, mais prolongado no tempo. Há uma demora para se impregnar com estes valores todos. É algo não para se contemplar, olhar de fora, mas para chegar perto e experimentar (...)”

No ano seguinte, realiza a individual Carlos Vergara, Obras Recentes 1989-1991, no Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa), com a apresentação de 20 grandes monotipias e, na Capela do Morumbi (SP) monta uma instalação com quatro monotipias em papel de poliéster impregnado de resina adesiva, presas diretamente no teto, consideradas “pinturas fora do muro” pelo artista.

Em 1993, o Centro Cultural Cultural Banco do Brasil (RJ) organiza individual do artista, onde é remontada a Capela do Morumbi. Realiza outra exposição individual na Galeria Francis Van Hoof, Antuérpia.

No ano seguinte, faz mostra individual no Gabinete de Arte Raquel Arnaud e participa da Bienal Brasil Século XX, na Fundação Bienal (SP). Ainda em 1994, convidado pelo Instituto Goethe, faz parte da equipe de artistas brasileiros e alemães que realiza parte do percurso original da Expedição Langsdorff, viagem científica ocorrida entre 1822 e 1829 com o intuito de documentar a natureza e a sociedade do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Amazônia. Nesta viagem, Vergara produz telas e gravuras, como as monotipias dos pisos de Ouro Preto e Diamantina (MG). Em 1995, o resultado desta experiência é apresentado na mostra O Brasil de Hoje Espelho do Século 19 - Artistas Alemães e Brasileiros Refazem a Expedição Langsdorff, na Casa França-Brasil (RJ) e no Museu de Arte de São Paulo/Masp. No mesmo ano, realiza individuais na Galeria Debret (Paris) e na Galeria Paulo Fernandes (RJ), e cria painéis para o Morumbi Office Tower (SP).

Entre 1996 e 1997, realiza a série intitulada Monotipias do Pantanal, mostrada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, quando os registros da natureza, sejam intervenções de animais ou marcas de plantas, se imprimem nas telas, criando tanto sudários quanto estruturas gráficas para obras trabalhadas posteriormente no ateliê. Para o artista, esses trabalhos adquirem novo estatuto em que, “deslocados do contexto da impressão, recebem chassis, além das eventuais intervenções posteriores (...) aí sim, elas ganham corpo e densidade suficientes”.

No mesmo ano, apresenta individual de gravuras na Fundação Castro Maya (RJ). Integra a Bienal do Mercosul (POA). Convidado por Nelson Brissac Peixoto, participa do projeto Arte/Cidade 3, A Cidade e suas Histórias, nas Ruínas da Fábrica Matarazzo (SP). Na ocasião, Vergara realiza Farmácia Baldia, com a ajuda de botânicos da Universidade de São Paulo/USP e do arquiteto paisagista Oscar Bressane, intervenção resultante da localização e classificação de inúmeras plantas medicinais existentes nas imediações da fábrica, fazendo desenhos em grande escala, diretamente nas paredes dos galpões abandonados, interagindo com as pichações existentes e criando uma marcação com mastros coloridos no terreno em torno das plantas identificadas.

Em 1998, recebe o Prêmio Mário Pedrosa, da Associação Brasileira de Críticos de Arte/APCA, por sua mostra Monotipias do Pantanal: Pinturas Recentes, no MAM-SP. Em setembro, participa da exposição Poéticas da Cor, no Centro Cultural Light (RJ) com a instalação Limonita “minério encharcado”. Realiza a individual Os Viajantes, no Paço Imperial. Em novembro de 1999, a Pinacoteca do Estado de São Paulo organiza a mostra antológica Carlos Vergara 89/99, apresentando desde suas primeiras monotipias sobre lona crua até as telas nas quais a intervenção do artista, com materiais como dolomita e tintas, apaga quase completamente os sinais da primeira impressão que deu origem aos trabalhos.



Em 2000, participa das coletivas Brasil + 500 Mostra do Redescobrimento, Fundação Bienal (SP); Século 20: Arte do Brasil, Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa); no Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (Lisboa); e Situações: Arte Brasileira Anos 70, na Fundação Casa França-Brasil (RJ).

Em junho do ano seguinte, realiza individual na Galeria Nara Roesler (SP). Para o catálogo, o artista escreve o texto “Pequena bula”, em que explica o processo de elaboração dos trabalhos apresentados:

“São pinturas que começam com uma monotipia (...) Esta impressão se dá em áreas escolhidas, já cobertas pela poeira depositada pela atividade da indústria na moagem dos pigmentos que produz (...) de forma que a impressão capture os desenhos e as tensões gráficas dessas áreas.



Um repertório de formas são utilizadas, como um alfabeto que constrói aos poucos, e por partes, o discurso do trabalho. Essas formas podem ser recortes em papelão, tecido, madeira, metais, borracha (...) materiais que obedecem e materiais que não obedecem docilmente (...)”

Realiza individual na Silvia Cintra Galeria de Arte (RJ).

Em 2002, é convidado a fazer parte do projeto Artecidadezonaleste (SP), para o qual cria uma intervenção na praça da estação Brás do metrô. Nas palavras de Nelson Brissac Peixoto, curador do evento, o trabalho de Vergara é:

“(...) uma intervenção sobre esta situação aparentemente inerte, uma ação que eventualmente detone um processo de ocupação deste vazio, inibido pelo rígido programa preestabelecido pelo planejamento urbano. (...) consiste em instalar no local um conjunto de barracas, do tipo usado pelos camelôs. As barracas, feitas de vergalhões de ferro, aparecem intencionalmente inconclusas, um esqueleto que pode ser completado com tampas e toldos ou utilizado para outros fins. Essa estrutura inacabada não obedece às bases de concreto existentes no local para disciplinar sua ocupação por camelôs, deixando em aberto a configuração urbana resultante (...)”

Em dezembro, tem sala especial na mostra ArteFoto, no Centro Cultural Banco do Brasil (RJ), com curadoria de Ligia Canongia, e seu trabalho Cacique de Ramos: Iguais Diferentes ganha destaque. Na ocasião, mostra fotografias realizadas entre 1972 e 1975 e plotagens recentes a partir do mesmo material.

A partir de maio de 2003, apresenta a primeira grande retrospectiva de seu trabalho, no Santander Cultural (POA), no Instituto Tomie Ohtake (SP) e no Museu Vale do Rio Doce, Vila Velha (ES), com curadoria de Paulo Sergio Duarte.



fonte: http://www.carlosvergara.art.br/novo/pt/percurso/

sábado, 28 de agosto de 2010

Jonathas de Andrade

Texto da curadoria
Jonathas de Andrade - Maceió, Brasil, 1982. Vive e trabalha em Recife, Brasil. Em 1971, uma editora publica uma coleção de cartazes baseados no método de educação para adultos, formulado por Paulo Freire, um dos mais revolucionários educadores brasileiros. Na ocasião, a mãe de Jonathas de Andrade compra, em uma banca de revistas, o conjunto de 21 exemplares que usaria na sua prática como professora na rede pública de Alagoas. Em 2006, o artista encontra a coleção entre os pertences da mãe e guarda-a pela beleza e pela nostalgia de um tempo sequer vivido. Agora, o artista retoma os cartazes para, com base na associação de imagens e palavras, encontrar fissuras que o permitam questionar, modificar e inspirar vocabulários subjetivos. Apropriando-se do método Paulo Freire, vai à sala de aula (ou ao Círculo de Cultura, como denominaria o educador) procurando novos alunos e novas associações. Levanta temas relativos ao cotidiano do grupo, discute-os coletivamente, fotografa as suas representações imagéticas e as devolve à classe na forma de cartaz. *_Educação para adultos_ é a conversão desse laboratório em um mural gráfico onde, entre cartazes originais e atualizações, o processo de conhecimento acontece pela desordenada sobreposição de vozes e tempos distintos.

Fala dos assistentes da curadoria em 18/08/2010

O trabalho Educação para adultos está em desenvolvimento para a Bienal. O artista não é pedagogo e não quer “pedagogizar” a obra. Ele refaz a experiência em condições precárias, busca meios de recuperar o discurso freireano. Recria workshops de alfabetização de adultos numa temporalidade distinta, abordando, de forma contemporânea, um discurso moderno. Faz junto, se insere na comunidade para pesquisar palavras e ligá-las ao texto. Jonathas é fotógrafo, certamente, explora a potência da imagem neste trabalho.

Biografia

Jonathas de Andrade nasceu em Recife, onde vive e trabalha. Graduado em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda. UFPE, 2007. Exposições individuais: Ressaca Tropical, Instituto Cultural Banco Real, Recife (2009); Amor e Felicidade no Casamento, Itaú Cultural, São Paulo, Fundação Joaquim Nabuco, Recife, e Instituto Furnas Cultural, Rio de Janeiro (2007-2008). Outros projetos. Condução a deriva; documento latinamerica, projeto em curso desenvolvido com bolsa em artes visuais da Funarte e do Salão de Artes Plásticas de Pernambuco (2009). Publicação de coleção de fascículos Amor e Felicidade no Casamento, livro de artista em fascículos em parceria com a designer Yana Parente (2008). Recenseamento moral da cidade do Recife, pelo SPA das Artes, Recife; Projeto de intervenção urbana com pesquisa e mapeamento moral da cidade, Recife (2007); Retrato do Inverno Anterior, ação e exposição, no festival de inverno de Garanhuns (2006). Desaparecimento da luz, Spa das Artes, Recife (2006). Instalação no Ed. Western, no bairro Recife Antigo (2006). Atualmente desenvolve o projeto Condução a deriva; documento latinamerica, através de um premio concedido pela Funarte e pelo Salão de Artes Plásticas de Pernambuco (2009).  Fonte: http://www.bienalmercosul.art.br/7bienalmercosul/es/jonathas-de-andrade

Trabalha com instalações, ações e fotopesquisas. Participou da 7a Bienal do Mercosul (2009). Realizou exposições individuais no Instituto Itaú Cultural e Galeria Vermelho (São Paulo); Furnas Cultural (Rio de Janeiro); Instituto Cultural Banco Real e Fundação Joaquim Nabuco (Recife). Publicou a coleção Amor e Felicidade no Casamento, em co-autoria com Yana Parente (2008). Em 2009, desenvolveu o projeto Documento Latinamerica – Condução à Deriva, com pesquisa de imersão em países da America do Sul, através de bolsas da Funarte (Rio de Janeiro) e do Salão de Artes Plásticas de Pernambuco. Recebeu o prêmio concurso de videoarte da Fundação Joaquim Nabuco. Atualmente, desenvolve projeto para a 29a Bienal de São Paulo. O artista é representado pela galeria Vermelho (SP).  Fonte: http://www.premiopipa.com.br/?page_id=905

Currículo
http://www.galeriavermelho.com.br/v2/artistas.asp?idioma=pt&estaPagina=curriculo&id_artistas=194
http://www.bienalmercosul.art.br/7bienalmercosul/pt-br/jonathas-de-andrade


Textos críticos
- Jonathas de Andrade olha para utopias fracassadas, por Silas Martí, Folha de S. Paulo, julho de 2010. http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/003164.html
- Artista teve ascensão "rápida e merecida", diz curador da Bienal.  Silas Martí, Folha de S. Paulo, julho de 2010. http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/003165.html

Eu me interesso pela capacidade que ele tem de olhar para o passado, identificar nele projetos utópicos de diversas ordens e tentar entender por que falharam. Ele atualiza e devolve esses projetos com olhar do mundo de hoje. Moacir dos Anjos

- Poética das permanências na moral conjugal, por Júlio Cavani, junho de 2007 http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=857&textCode=8747&date=currentDate

- Exposição Amor e felicidade no casamento - Jonathas de Andrade
http://www.furnas.com.br/espaco_furnas_cultural_32.asp

Jonathas de Andrade extrai de sua vivência profissional com a fotografia as bases de pesquisa que culminam em Amor e felicidade no casamento, adaptação do manual homônimo do psiquiatra alemão Fritz Kahan, que versa sobre um código póstumo - ou nem tanto, segundo sugere a montagem - de relacionamento entre casais. Combinando estética caseira e uma clara menção ao passado, Jonathas dirige atores numa encenação dos pressupostos do livro. "As obras registram o cotidiano de um jovem casal, cujas roupas e ambientes que ocupam remetem a um tempo passado, quando talvez ainda vigorassem idéias assemelhadas às defendidas no livro", comentou o crítico de arte Moacir dos Anjos.
Sobre Educação para adultos (2010):
Jonathas de Andrade na Bienal de São Paulo, blog Olhavê, Junho de 2010 http://www.olhave.com.br/blog/?p=5613

Minha mãe é pedagoga, e me passou um conjunto de cartazes com que trabalhava e que ia se desfazer. São cartazes incríveis, que articulam uma imagem com uma palavra. Desde então, tive muita vontade de trabalhar com eles. Fui ler sobre Paulo Freire e vi que trazia relações com os cartazes de minha mãe, sobre lidar com o universo vocabular de quem aprende e sua própria vida, sobre dimensionar politicamente as próprias ações. A pedido do governo brasileiro, Paulo Freire preparou uma campanha de alfabetização nacional, que foi interrompida pelo golpe militar de 64, que reprimiu a mobilização, e Paulo Freire foi perseguido, preso e exilado. A idéia do projeto “Educação para Adultos”, que estou desenvolvendo para a Bienal, é dar continuidade aos cartazes fotográficos através de uma série de conversas com analfabetos, retomando aspectos da metodologia freireana. Jonathas de Andrade
Ver: Instituto Paulo Freire (IPF) http://www.paulofreire.org/ e Paulo Freire - O mentor da educação para a consciência http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/mentor-educacao-consciencia-423220.shtml


Comentário

As descrições sobre o trabalho de Jonathas de Andrade para a 29ª Bienal fornecem poucas pistas sobre o que será apresentado e como. Os trabalhos Amor e Felicidade no Casamento, apresentada em diversos espaços e Ressaca tropical, exibida na 7ª. Bienal do Mercosul assumem a forma de “mural gráfico”, porém, não há garantias de que haverá qualquer semelhança. Muito possivelmente haverá cartazes, imagens antigas, palavras, imagens mais recentes, registros dos workshops. Este conjunto pode ser intrigante, entretanto, há leituras de outra ordem, para quem possui referências sobre a obra de Paulo Freire.



Mesmo sabendo que não se trata de uma abordagem pedagógica, a busca de referências sobre o pensamento e as práticas de Paulo Freire ajuda a compreender esta “utopia fracassada” desperta a atenção do artista. As idéias de Freire vislumbravam um país mais humano, democrático, educado e são reconhecidas no mundo, porém, no Brasil, elas não têm destaque. Elas se ocultam nos fundamentos de muitos projetos educativos importantes e, raramente, recebem o devido crédito. As políticas públicas baseadas nas idéias de Freire ficaram no passado, lá nos anos 60, como uma promessa de um Brasil amplamente alfabetizado, e nunca se concretizaram. Hoje, resta ao país o desafio de encontrar soluções educativas para superar o analfabetismo e alcançar melhores índices de desenvolvimento humano . Colocar este tema em discussão desperta meu interesse e aumenta minhas expectativas sobre o modo de apresentação, a experiência na relação com a obra, as reações do público e os desdobramentos deste trabalho. Por Ana Luisa Nossar.








JONATHAS DE ANDRADE, Maceió (AL), 1982, vive em Recife


Trabalha com instalações fotográficas, ações e pesquisas urbanas.
Principais exposições: 7ª Bienal do Mercosul (2009), Projeto Portifólio no Itaú Cultural (São Paulo), Furnas Cultural (Rio de Janeiro), Instituto Cultural Banco Real (Recife), Fundação Joaquim Nabuco (Recife).
Publicou a coleção Amor e Felicidade no Casamento, em co-autoria com Yana Parente (2008).
Atualmente, desenvolve o projeto “Documento Latinamerica: Condução à Deriva”, com pesquisa de imersão em países da America do Sul, através de bolsas da Funarte (Rio de Janeiro) e do Salão de Artes Plásticas de Pernambuco e participa da 29ª Bienal de São Paulo.


Jonathas de Andrade olha para utopias fracassadas
Silas Martí - Folha de São Paulo

NOSTALGIA MADURA

Em seu primeiro trabalho, Andrade chegou a mofar fotografias digitais, com pão e batata, para descolorir e manchar os "saltos tecnológicos que tiram a expressividade de uma época". Também gravou a obra "4.000 Disparos" em filme super-8.

Mas seu olhar passa ao largo de qualquer tipo de fetiche por essa era perdida.

Não exalta o passado num vazio vintage, tenta, pelo contrário, emprestar desse passado só as marcas de expressão. "Não é como se quisesse só um sabor do perigo daquela época", diz Andrade. "É um amadurecimento dessa visão nostálgica."

Nessa rota madura, sua obra para a 29ª Bienal de São Paulo vai atualizar cartazes para a alfabetização de adultos inventados nos anos 60.

Eram desenhos que ensinavam palavras a partir de imagens. Disso, Andrade pretende extrair uma dimensão política e crítica em relação à época e consciente de seus recursos estéticos.


"É uma forma de dimensionar a vida dessas pessoas, como o que mostra a palavra "barriga" e um menino chorando", conta. "Começa a haver um atrito entre o que está dito e a ideia de realidade."

Matéria por Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 8 de julho de 2010.
completa: http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/003164.html 


PROJETO PORTIFÓLIO NO ITAÚ CULTURAL

Fotos envelhecidas com fungos fazem metáfora da memória e da persistência dos valores morais

Dentro do projeto Portfólio, a mostra Amor e Felicidade no Casamento, com imagens de Jonathas de Andrade, tem curadoria do fotógrafo Eduardo Brandão; o trabalho é uma adaptação fotográfica de um manual de moral e bons costumes, da década de 60; e, em uma autêntica manipulação do tempo e da memória, as fotos são submetidas pelo artista a um tratamento com mofo e bolor.

A inspiração do artista parte do manual homônimo de moral e bons costumes, escrito pelo alemão Fritz Kahn, que povoou a sua infância e foi popular entre as famílias brasileiras e de outros países entre as décadas de 60 e 80. Também evoca o acervo do Sr. Macário, um alagoano anônimo, que nos anos 70 registrou exaustivamente cenas de sua família em cromos de 35 mm. As imagens, compostas por personagens criados por Jonathas, foram submetidas a experiências de mofo e bolor em um processo de envelhecimento acelerado. Para cada exposição ele apresenta uma nova seleção de fotos, fruto dessa experiência, articulada com imagens isentas desse processo.

“Observar o acervo do Sr. Macário foi muito importante, pois fiquei arrebatado com aquelas imagens feitas por um amador e envelhecidas pelo mofo”, conta o fotógrafo. “Elas me sugeriram metáforas com a memória e com a moral emperrada, que tenta avançar mas reincide”

Segundo observa Eduardo Brandão, nesta obra, Jonathas de Andrade articula procedimentos artísticos a uma reflexão sobre a dimensão estética e moral da fotografia. “Ao posicionar as questões do livro de Kahn junto ao acervo do Sr. Macário, o artista estabelece correspondências que questionam o status da estética fotográfica e contemporiza as reflexões sobre o moral que o livro provoca.”



ENTREVISTA

Nesta entrevista, Jonathas nos explica um pouco sobre o seu processo em Condução à Deriva e Documento Latinamérica, que tem a América Latina como cenário.


OLHA, VÊ Sobre o tema, “Condução à Deriva”, gostaria de saber sobre as motivações para desenvolver o tema.

JONATHAS DE ANDRADE Em 2002, estive na Argentina. Foi a primeira vez que saí do Brasil para um outro país latinamericano. E cheguei a Buenos Aires no meio de uma crise econômica fortíssima, com as pessoas na rua fazendo panelaços, protestando nas portas dos bancos e se organizando por bairros, em assembléias semanais. Um caos social em estado de preconvulsão revolucionária, uma vivência política que nunca havia experimentado diretamente. Passei a frequentar esses espaços e fui levado a sentir pela primeira vez o que entendi ser uma experiência de latinidade, inédita para mim, como se algo pessoal me aproximasse àquela condição. Entretanto, para um brasileiro como eu, ser latinamericano é uma contingência tão ficcional que mais parte do livro de história que de qualquer estado de espírito. Experimentei voltar ao Brasil adotando a ficção intima de ser latinamericano antes de ser brasileiro, buscando reconhecer mais pistas deste sentimento que me foi provocado e buscando resgatar à tona os comportamentos que ele evocava.

Em 2008, tive contato com a pesquisadora e psicanalista Sueli Rolnyk, que falava de uma idéia de trauma histórico como memória do corpo nas gerações pós-ditatoriais. Fazia muito sentido para mim pensar a apatia e falta de motivação política existentes na minha geração como um ranso de uma época anterior, repleta de repressão e censura à criação política e artística. A geração de meus pais conheceu a atuação política dissidente e de esquerda associada à morte sumária e ao desaparecimento de corpos. O resultado do medo foi a aniquilação da resposta, da alternativa, da tentativa, e de uma série de articulações em vários campos – artes, arquitetura, economia, política, música, academia, etc – que vinham se adensando à época. Um projeto interrompido por via da força.

A partir destes dois encontros, o projeto Condução à Deriva : Documento Latinamerica começa a ser concebido com mais força. Quando fez muito sentido pensar numa idéia de um amnésia histórica, me tomando como célula de um corpo geracional e neste corpo identificar que minhas próprias células poderiam estar adormecidas para reagir e criar novas respostas.

OLHA, VÊ No que consiste o projeto?

JONATHAS DE ANDRADE Propus uma viagem de reconhecimento de território e sentimento por 6 países da américa latina. Através deste trânsito, montar uma coleção de objetos – fotografias e pedaços de vídeos – trazidos de alguma parte desses países, uma coleção de fato de outro tempo, um outro personagem que com suas motivações me presenteia com este tempo anterior a mim. Por via de seus desejos, tateio este território com passos não meus. Esta jornada é tratada com a formalidade de um achado histórico e, com precisão arqueológica, acesso um tempo suspenso, latinamericano, a que todos compartimos e estamos submetidos, no limbo ou na vibração.

OLHA, VÊ O projeto para a Funarte, “Documento Latinamérica”, é diferente do Salão? Existem interseções?

JONATHAS DE ANDRADE Os projetos têm a mesma base conceitual de pesquisa e são frutos do mesmo trânsito. Inicialmente, propus trabalhar diferentes ferramentas para cada um, separando o campo da fotografia e do vídeo. Mas cada vez mais tem feito menos sentido separar meu trabalho nessas categorias. As demandas me trazem necessidades e o trabalho responde de formas muito híbridas a elas. Entretanto, as relações entre o que nele é vídeo e o que nele é fotografia mantêm a dualidade da pesquisa neste corpo do trabalho, e me trazem potência nesta interseção.

OLHA, VÊ Quais foram os países e cidades visitadas?

JONATHAS DE ANDRADE Por enquanto, Argentina, Uruguai, Chile, Bolivia e Peru, e entre as cidades de passagem mais marcante, Buenos Aires, Montevideo, Rosário, Cordoba, Maipu, Mendoza, Santiago, Rancagua, Valdivia, a Ilha de Alao, Valparaiso, San Pedro de Atacama, Uyuni, Potosi, La Paz, Cusco, Lima.

OLHA, VÊ Qual a situação atual do projeto?

JONATHAS DE ANDRADE Planejo mais um mês de viagem e volto pra Recife. Nestas semanas restantes, vou finalizar algumas experiências que já comecei e quando voltar, vou trabalhar no material coletado e entender o destino do projeto. É a segunda fase do projeto e a mais difícil, onde vou despender mais atenção.

OLHA, VÊ Os objetivos foram preestabelecidos ou não? À Deriva foi uma “rota”?

JONATHAS DE ANDRADE Embora houvesse preestabelecido regras, andei a maior parte do tempo fora de rota, bastante perdido, de bússola quebrada. Cheguei a adotar minha sombra como norte, até que vieram outros ajustes, outras coordenadas e magnetismos. Pensei que o desejo iria me orientar, porém muitas vezes ele se diluía na paisagem. E o que sobrava? A paisagem estupenda, esta que tanto acreditei por via da fotografia, diante de mim, se apresentava estéril. Ainda não entendo bem o que significa esta experiência. Talvez o sentimento de pós-guerra; o dar passos entre tempos históricos, sentimentos que incorporei em minha proposta inicial e que de certa maneira possa tê-los vivenciado. Não sei se exatamente falta de emoção, pois ali, o vazio, a dormência, a invisibilidade não tinham nada a ver com tristeza. Eu andei até de certa forma contente. Foi bastante um neutro absoluto, onde experimentei estar a maior parte do tempo inteiramente perdido.

OLHA, VÊ As suas exposições sempre se destacam pela montagem. Você já pensa em algo para mostrar como resultado?

JONATHAS DE ANDRADE A montagem é um trabalho de edição que fixa uma das possibilidades de materializar as relações de um certo conteúdo. É desdobramento do trabalho, mais que conclusão ou objetivo. É mais um lugar de experimentação tanto para o artista quanto para as pessoas que através dela tomam contato com a obra. Mais ou menos como a viagem, ela se faz a partir do equacionamento de hipóteses e proposições com experiência e produtos gerados a partir delas que as reconfiguram e ressignificam. De certa forma, ela está submetida ao mesmo jogo de inversão entre cavalo e cavaleiro, entre conduzir e ser conduzido que permeia, organiza e desorganiza a viagem. Acredito que preciso concluir esta etapa do projeto para pensar com mais clareza em possibilidades de montagem.
Contexto